segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Uma saudade



Das risadas minhas 
e dos outros três 
conversas aleatórias 
futebol e outros clichês
derrotas e vitórias 
o CD novo de alguma banda 
daquelas que a gente ouvia 
até gastar os ouvidos 
pensando fazer algo 
de bom e parecido 
e então entrava 
e puxava a porta 
forrada por dentro 
como as paredes todas 
e assim que era
como uma caixa fechada 
recheada de vida 
vontades, sonhos e verdade.

Tudo ajeitado, plugado 
regulado, conectado 
com aquele momento à parte 
do resto do mundo
desatava os nós (entre nós) 
do dia a dia 
da semana puxada 
de tudo de ruim
naquelas seis cordas 
cuidadosamente afinadas 
que cantavam em sintonia 
com as outras seis 
precisas, certeiras 
e mergulhava de cabeça 
no mar barulhento
de pulos e ritmos
de tiques e manias 
e lavava a alma 
e até esquecia 
de onde vinha a calma
gritava de toda guela 
arranhava a garganta 
vibrava com o nascimento
de novos sons 
de guitarras dobradas 
levadas 
pelo baixo singelo 
e sincero 
e pela violência 
da bateria 
estampada em caretas 
mil e duas facetas
e sorriam todos 
era o nosso orgulho 
em conjunto, 
na empolgação  
na vontade 
no brilho dos olhos.

Naquelas duas horas 
eu desligava a chave
do mundo lá fora 
ia do agudo ao grave 
gastava todo o resto 
de energia, 
de voz, 
de fôlego, 
suava a camiseta 
desbotada e pequena 
e subia e descia 
os tons e as casas 
e quando acabavam as forças 
quando estava imerso 
por completo 
naquele universo 
paralelo 
acordava de novo 
em acordes novos 
de acordo com os outros 
não era só música 
era sentimento, era amizade. 

Nisso tudo a saudade 
se faz presente 
e até me faz tocar 
a guitarra imaginária 
pelos corredores da vida 
e marcar o bumbo 
no assoalho do ônibus 
e cantar 
o tempo todo 
e imaginar 
a primeira e a segunda voz 
e desse modo eu guardo
a lembrança daquele tempo 
com todo o carinho e cuidado
que podem existir 
como a guitarra preta 
quase nova, brilhosa 
que fica protegida 
no Hard Case marrom 
lindo, robusto
revestido de couro 
que hoje ornamenta 
com classe, 
o canto do meu quarto.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Um certo romance / uma pausa no tempo

Fazendo do meu colo travesseiro
as mãos juntas sob o rosto
as pernas atiradas no sofá
a paz nos olhos fechados
o descanso na boca entreaberta
tu repousa, linda
Pra mim, uma pausa no tempo
Um certo romance na TV
a música reverberando
pelos cantos da sala
batendo com força
nos meus pensamentos
que vão muito além
desse momento
vão longe
vão onde
as fotos passam
nas luzes apagadas
nos fogos subindo
na gente passando
no lusco-fusco cheio
de risos e choros
na felicidade plena
do teu olhar, morena
da minha barba sorrindo 

de todos abrindo
pra nós dois um caminho
que leva direto pro abraço
pro colo de onde viemos
e praquilo que amanhã seremos
e eu rio sozinho
voltando pra cá
e ainda te acarinho
passando de leve
os dedos nos teus cabelos
e na tua orelha
e tomo um gole
da cerveja
que nem tá mais tão gelada
mas eu nem ligo
eu não preciso de mais nada
te tenho aqui comigo
e então tu te mexe
te ajeita melhor
e segue dormindo
talvez sonhando
o mesmo sonho
pra onde eu voei há pouco
talvez só descansando
o teu descanso merecido
enquanto eu contemplo
o espetáculo natural
que a vida me proporciona
a cada vez em que eu
paro tudo
dou uma pausa
no tempo
no mundo
e fico ali
só te olhando
e gostando de te ver dormir
que nem criança, com a boca aberta.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Verde

Sinal verde. Já podia ir em frente, podia atravessar a esquina. Era noite. Era noite como em todas as outras noites, e era escuro e tudo, mas não me repito, porque aquela noite era diferente. E não para mim, mas para todos. Ao atravessar a esquina, segui meu caminho rotineiro, mas pela primeira vez eu percebi coisas que jamais antes tinham tomado a minha atenção. Tudo era verde, não só o sinal. Fachadas e letreiros, tantos; lojas e clínicas, verduras e frutas na feira noturna; a fileira de luzes que as sinaleiras formavam rua afora, que ao longe compunham quase um risco verde e aceso, brilhante. Um risco verde no céu da noite. O verde da esperança. Cheguei a me perguntar se o verde era a cor predominante nos estabelecimentos daquela avenida larga e tão sem cor, ou se era só a minha percepção que estava tão direcionada, mas segui, no piloto automático, sem calcular meu próprio combustível, pensando em tudo, pensando na vida, na sua fragilidade e na sua brevidade. O corpo seguia, mas a cabeça voava para a Colômbia, longe, triste, com escala em Chapecó. Eu que de certa forma respiro o futebol, dos gramados verdes, naquele momento respirava o vazio, que estava amarrado no nó da garganta, mas que não me deixava parar – minhas pernas seguiam, vestindo aquela calça verde surrada, que uso umas duas vezes na semana. O que passava na minha cabeça era que havia mais ou menos vinte e quatro horas, um outro risco verde no céu da noite entristecia o mundo. Aquela enorme ave de metal riscava o céu colombiano e em uma trágica descida se chocava contra o verde nativo, a mata fechada, sob o choro agressivo das nuvens negras, abreviando o sonho e a verde esperança de muitas vidas. E eu nem conhecia essas vidas de perto, mas acompanhava muitas delas de longe, torcia, xingava, comemorava, como se fossem todas minhas amigas próximas. Aquilo me destruiu. Tudo se destruiu. As vidas, as famílias, a mata, o avião, os apaixonados por futebol, e todos os seres humanos que têm algum amor no coração. Doía pensar em tudo, ver as imagens daquele buraco no verde escuro, destroços e malas, uniformes e acessórios verdes espalhados por todo o lado. Eu segui meu caminho, mas em determinado momento, todo esse aperto no peito – que agora volta enquanto despejo tudo nessas linhas – subiu até o meu próprio céu e então rolou olhos afora, num desabafo em colo virtual, desesperado e ligeiro. Cheguei em casa uma hora depois, como em todas as noites; a minha viagem saiu como o esperado, minha família me recebeu em casa, minha vida não foi interrompida violentamente pelo destino. Tive a sorte que muitos não tiveram. Mas continuo pensando, diariamente, que na noite anterior àquela minha caminhada noturna, o verde de setenta e uma esperanças desbotou para sempre. 

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Mais cinco minutos

- Tem que pagá pra entrá ali, meu?
- Quê?
- Tem que pagá pra entrá ali?
- Bah, tem que vê, meu, vamo ali...

Passaram por mim. Que susto. A verdade é que cada noite é uma aventura, e aquela parecia diferente, ao mesmo tempo em que parecia outra noite igual a todas. Os dois caras passaram, num caminhar ligeiro, um mexendo no celular, distraído, e o outro olhando em volta, parecendo agoniado. Talvez ele só estivesse com pressa pra entrar naquela caverna obscura, tomar uma cerveja barata e aguada, quem sabe dar uns beijos, dançar, não sei - vai saber o que se passa lá dentro. Não sei, porque também talvez estivessem querendo uma pedra, e tivessem facas nas cinturas, e sangue nos olhos, de repente até na pressa de ir ao encontro de alguém, uma carta marcada no baralho daquele breu. Ou pior, talvez estivessem forjando um assunto dissimulado para ali mesmo, naquele mini diálogo, ao passarmos, os três, por trás da banca de revistas fechada - era por volta das 22h30, mais ou menos -, partirem pra cima de mim, facas em punho, me ameaçando, e eu tentando resistir, e eles insistindo, e culminando numa tragédia, eu com a barriga rasgada a facadas, o sangue espalhado, as lágrimas rolando, e eles levando todos os meus pertences, e meus pais estranhando logo depois, às 23h40, quando eu não estivesse chegando em casa. Acontece que eu não sei, nem tentei saber, porque apertei o passo, e como que deixando cascas de banana na ultrapassagem, ganhei os metros à frente a passadas largas, deixando então aquele papo furado sumir aos poucos às minhas costas. Ali na frente, aquelas mesmas lancherias de sempre, com as mesmas (ou outras) pessoas mal encaradas perguntando o preço de qualquer coisa e olhando em volta, para mim, para a menina que ia logo à frente, sozinha, para o velho de boné atrás do balcão, para os carros que passavam à toda na Júlio... Talvez estivessem comprando um lanche, afinal. Ou talvez estivessem analisando a situação para atacar alguém. Eu não sei. No fim, mais uma vez não deu em nada.

O percurso é o mesmo de sempre, o vento na esquina é o mesmo de sempre, e também a sensação que carrego é a mesma de sempre: medo de tudo, nojo do cheiro e do aspecto de tudo, raiva em planos de desferir socos, talvez uma rasteira, a qualquer um que por ventura tente me atacar, mas nem sei como seria, se bateria e fugiria, ou se seria uma peleia violenta de filme, ou se somente apanharia e choraria de raiva em seguida. Tudo isso vai balançando ali dentro da minha cabeça, e balança rapidamente, no ritmo da caminhada, e das três ou dezoito trilhas sonoras que ouço enquanto passo pelas cavernas fedorentas. A trilha muda mais ou menos a cada trinta e três passos, eu acho. Eu acho, na verdade, é que preciso contar melhor, porque talvez sejam somente quinze passos o que separa uma música da outra, e elas saem de dentro das portas abertas, aquelas que têm ao lado um bruto segurança, fumando ou conversando, ou rindo, ou ameaçando alguém. Num cenário ideal, seriam brutos bailarinos, e eu passaria cantando, tranquilo. Mas o cenário não é o ideal, e disso eu já sei faz tempo. E quanto aos passos, vou contar melhor e guardar para uma próxima vez. Provavelmente haverá uma próxima vez, porque essa caminhada noturna parece uma fonte inesgotável de causos possíveis que vou criando na imaginação, enquanto olho em volta e sinto a brisa na cara. Agora faz calor e a brisa não me corta mais, só dá uma agradável refrescada, o que é bom. Mas aquelas pedras soltas na calçada me incomodam demais, porque os funcionários das espeluncas lavam tudo ao fim do dia, e aquela água nojenta, com espuma, gordura, mijo, farelo, azeite e tantas coisas possíveis de se haver ali escorre pra baixo das pedras. Então além de cuidar do que acontece à minha volta, eu tenho de cuidar em que pedra piso, porque não raro é uma solta, que cospe com violência aquela solução dos infernos para cima, o que pode atingir meus pés (é claro que já aconteceu). É adrenalina correndo nas veias, e pensamentos mil, às vezes o Grêmio no fone de ouvido, às vezes a resenha mental do que foi o dia, às vezes o planejamento do sábado que vem, às vezes só a vontade de sentar no banco do ônibus e continuar lendo a pesada história de Raskólhnikov, ou até, às vezes, é só o medo de tudo misturado com a vontade de chegar em casa, ver meus pais e dar sequência a tudo que a vida tem a oferecer logo ali na frente, na próxima quadra.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Ela(s)

Ela te chama
e finge que te ama
na verdade nada
é mesmo descarada
lembra que tu existe
fala no diminutivo
pergunta como tá
dá o despiste
e antes de responder
já pede um favor
e se tu não pode
já se perde o amor
é uma querida
idealizou uma vida
vou entrar na onda
dos diminutivos dela
idealizou a vidinha
e faz de tudo pra tê-la
ou só a metade
pois a outra pede
pra miga fazer
ela não tem idade
pra ser o que é
ou o que quer ser
ela não sabe nada
do mundo
da vida
do que veio depois
dos tempos da mãe
e essa é outra
um nojo de gente
tal qual serpente
ataca e mente
mas se acha a tal
e deu presentinho
todo bonitinho
com dedicatória
mas não agora
pois já não gosta
hoje aposta
na decoreba sintática
e na cara deslavada
"simpática"
e desabafa no querido diário
aberto a todos
menos a quem tentou
fazer de otária
só que esta, é amada
por tantos
e é tão boa
que não se abala
está cercada de amor
que ela mesma plantou
fantasiada de joaninha
ou desconstruindo
os paradigma tudo
e amando
os bichinhos
e a todos
os que merecem
e os que não
e eu, ao natural
como a vida quer
e costuma me levar
esqueci que falava
do mal
pra deixar meu amor
falar do bem.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Cinco anos

Quando apertei o start
Surpreendi no pedido
À moda antiga
Em um fim de tarde
Larguei o controle
No sofá ao lado
Perdi o controle
Bem apaixonado
Das festas no beco
Ao dia de hoje
Planejando ainda
Te dar meu sobrenome
Do batom no bolso
Ao batom espalhado
No meu bigode
Nem sei se pode
Falar tanto assim
Mas faz parte de mim
Te amar e sim
Contar os meses
Brigar às vezes
Contar os dias
Pra te ver fazendo
A voz de nenê
Ou me dar um beijo
Desses de tremer
Nas bases
Desses que, sabe
São capazes
De renovar qualquer voto
E sei que não noto
O tamanho da franja
Ou da sobrancelha
Mas guria, eu só sei
Que meu maior acerto
Foi ter negado um gole
Tá, não é mole
Da tua tequila
E pedido em troca
O primeiro beijo
Com gosto de amor
E que foi o esboço
De tudo que somos
E que vamos ser
Amanhã ou depois
Sempre nós dois
Como mais esse dia
Vinte e quatro de setembro
Cinco anos do start
No meio da luta
Tekken quase arte
Da nossa felicidade.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

No bolicho (ou o choro de um farrapo já cansado)

Mais uma noite
não sei, talvez por sorte
como o cusco dos grito
escapo da morte.
O dia todo peleando
Matando e morrendo
Correndo e gritando
Sem poder sentir medo.

Mas aqui nesse banco
onde, é verdade,
cheguei aos trancos,
acho serenidade
num trago de canha
como pinto no lixo
pequena alegria, tacanha
me acho nesse bolicho

Hoje vi companheiros
Partindo de vez dessa,
indo, aos berreiros,
o sangue na cabeça
escorrendo nos beiço
encharcando o lenço
Os vivente deixando
de dar sentido à palavra
Deixando de viver
Deixando de ser vivente.
Não deixamos por menos,
eu e mais outros
viventes dos meus
muita lança cravamos
em peito de imperial
muito cavaleiro treinado
deixamos deitado
nessa peleia brutal.

Lá fora eu já matei
muita gente
não por mal (e nem por bem)
mas preciso pelear
pelo que meu povo defende
a qualquer custo
ainda que de susto
eu acorde na madrugada
com a garganta embargada
os olhos molhados
e a mão já puxando
a adaga debaixo do pelego.

Aqui dentro eu mato
as amarguras da guerra,
limpo o sangue e a terra
que tenho nas vista
talvez ainda assista
a fugidela pro mato
dos amigos mais curtidos
com as chinas mais lindas
e no canto de lá
o gaiteiro se esforça
pra manter o momento
em dimensão paralela
somente ele e ela,
sua gaita faceira
arriscando a vaneira
enquanto entro no copo
por inteiro
abraçado na garrafa
ouvindo o tiroteio
insistente no ouvido
ecoando o dia alheio
a mais essa noite
embriagada, jocosa
fria e mentirosa
de um bolicho cheio
de farrapos sem amanhã.

Agora dá três horas
e depois de um baita
de um bochincho bem feio
em que quebrou-se a gaita
e correu o chinedo
e o gaiteiro puxou
de uma faca graúda
enferrujada e velha
e os que não eram
tão tauras assim
se assustaram e fugiram
e eu, desatei a chorar
sou feito de coragem
diga-se de passagem
mas se nem no bolicho
não posso fugir
de ver o sangue escorrer
e quem sabe até
da bala comer,
eu desisto.
Me vou embora
que logo é outro dia normal
e a guerra que segue,
ela me espera, pontual.

sábado, 20 de agosto de 2016

Sexta-feira

Ao passo que a esperança,
nessas andanças,
aos poucos se esvai,
o coração vai pesando,
a voz embargando,
cada vez mais.
Cada vez mais,
a gente procura refúgio,
numa carapaça,
algo que proteja.
Dentro das canecas,
alguma cachaça,
qualquer imersão que seja.
Quando menos se espera,
um mergulho no rio gelado,
enquanto na janela a cidade passa,
e no borrão nem árvore se vê.
Algo a falar, sempre se tem,
mas soa dolorido,
quando a cinquenta por cento de preto
está todo o colorido,
da caixa de lápis de cor,
da caixa de giz de cera,
das roupas bonitas,
do brilho dos olhos
cor de mel do avatar.
A tristeza é sacana,
vai pelas beiradas,
espreme os olhos e, na marra,
tenta deles tirar água,
essa mesma que alagou a rua,
que está nas poças,
que amanhã vai evaporar,
e que ainda da janela eu vejo ser
vital,
tão igual,
tão diferente,
e que mata a gente.
O grito preso na garganta,
o silêncio solto no espaço,
o vácuo,
sem saber como proceder,
o fim do texto,
do riso,
do fim de semana,
da epopeia do Odisseu,
da semana inteira,
da falta de esperança,
nessas andanças,
de uma molhada,
e frustrada,
sexta-feira.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

No osso

A manta encobre
a marca no pescoço
e eu aguento, no osso
o que pode ser
sem ninguém saber
só mais um dia ruim.
A fotografia ideal
na voz muda do oxigênio
ora por aparelhos
ora por gemidos
tão esbaforidos
que se olham no espelho
ou na lanterna vermelha
da tela do telefone celular
que molha e sua
e seca e fica
grudado por dias
como um sopro quieto
que causa alvoroço
mas eu aguento, no osso.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Existir é bom

Gosto quando a gente fica ali parado,
sentado, em pé ou deitado
e também quando a gente
anda pra lá e pra cá.
Gosto de sentir o gosto
da lindeza do teu rosto
e de sentir o cheiro
que entrega, por inteiro,
que tu está ali
a um palmo de um abraço,
um beijo num curto espaço
mostrando que é bom existir.

Gosto quando te olho no olho
e vejo como ele brilha
e nesse brilho encontro um céu
todo doce, um pote de mel.
Quando tu abre a boca
e dela sai uma coisa boa
que bate no meu ouvido e cai
despenca, batendo nas quinas
acelerada, vai
sem nem parar nas esquinas
e se acomoda no colchão
da cama macia do meu coração.

Gosto quando eu canto
e tu gosta de me ouvir cantar
e tu pede outra música
e sorri por me ver tentar.
Gosto da tua cara de sono
da tua cara amarrada
da tua cara de riso
tudo o que eu preciso
pra te fazer um carinho
pra ficar ali juntinho
enquanto tu me faz lembrar
por que é tão bom existir.


quarta-feira, 27 de julho de 2016

Batatas

O trem das oito
chegou devagar
enquanto o outro
tentava explicar.
Explicar o quê?
Que estava comigo?
Ria entre amigos
Inocente porquê.
Então nesse trem
a gente se foi
e com ela, não sei,
me diria depois.
A verdade que há
na amizade que lá
faz morada e se cerca
de muros de corações abertos.
Ela não vê que é normal
não percebe o tamanho do mal
que àquele bom homem, faz.
A loucura, de tudo é capaz.
A felicidade estava
nas batatas fritas
nas amigas, aflitas
pela hora que voava.
Fiquei contente em revê-los
depois de um dia corrido,
nem passei pente nos cabelos,
mas nem teriam percebido...
O que valeu foi o encontro
o riso fácil, as piadas
os venenos, em pitadas
a vontade da quarta outra.
No trem o papo se estendeu
meio no telefone, meio não
Estação Canoas e então desceu
com um abraço e um aperto de mão.

terça-feira, 12 de julho de 2016

Adeus forçado

Ontem à noite já deixei tudo certo, ela estaria ali, me esperando, como de praxe, quando eu acordasse. O sono foi curto, normal. Então acordei, o dia começou. Quando fui recobrando os sentidos, a visão se formando aos poucos, dei aquela espiada e sim, ali estava ela. Clara, serena, suave, me sorrindo.
Cabe aqui uma breve descrição.
Ela me foi apresentada, há anos, por alguém muito especial e foi amor à primeira vista, já saímos juntos. Me acompanhou, desde então, em muitos momentos, corriqueiros ou não, especiais ou não... Momentos bons e momentos ruins. É claro que, tudo muda com o tempo, e com ela, não seria diferente. Ela foi ganhando traços mais cansados, envelhecidos, a idade não passa em vão e o tempo, é implacável. Na verdade, pra mim foi ótimo, porque eu fui achando que ela ficava cada vez mais charmosa e gostosa. Cada vez eu gostava mais dela. Enfim, o tempo trouxe algo a mais entre nós. Fomos nos acertando cada vez mais, a coisa se ajeita, sabe como é, tudo passa a fluir mais naturalmente... Os anos nos fizeram bem, no geral; criou-se uma coisa boa, uma certa simbiose.
Voltando ao acontecido, hoje de manhã, assim que eu a vi ali, bonita, sorrindo, a minha mãe entrou em cena e deu um basta à nossa história. "Ah, não! Tu não vai sair com ela hoje! Até vou te dizer: tu não vai sair com ela nunca mais!"
Eu não quis aceitar de início, claro. E muito menos gostei da abordagem! Sempre fui convencido de que ela foi feita para estar ali comigo. Minha mãe, então, mais delicadamente, foi dizendo, explicando, que mesmo que fosse tudo tão bom, mesmo que nos encaixássemos perfeitamente, mesmo que fôssemos bonitos juntos e que ela me fizesse sentir tão bem, tão à vontade, mesmo que fôssemos praticamente uma coisa só (ainda que velha e desbotada), a realidade mostrava que era a hora, que aquilo ali era uma despedida.
Pulei da cama. Fui na direção dela, resolvi tentar enxergar o seu lado... Fitei-a por instantes e percebi que todo aquele charme envelhecido que eu sempre gostei, na verdade era feito de sinais, sinais acumulados de que não dava mais. Ela não podia mais continuar. A essa altura ela já estava se desmanchando. Então, finalmente aceitei: era o fim.
Com todo cuidado, a toquei. Estava fraca, bem fininha... Peguei-a, olhei para a minha mãe e disse: "toma, leva ela daqui, então". E lá se foram elas, porta afora.
Sentei na cama e em seguida minha mãe passou pelo quarto, na direção da cozinha. Gritei: "que merda, mãe; eu gostava daquela calça velha!".

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Neblina

É neblina fechada, desce e não se vê mais nada. Sei como é: saio bem cedo, é manhã mas é noite, quase chove e não enxergo o que tem na próxima quadra. As lentes dos óculos ficam molhadas. Dificulta a visão. Na verdade, cega. Dá a impressão de que é mais forte que a manhã. O dia fraqueja na missão de tornar tudo claro e fácil. Ela quer superar, passar, quer ir em frente. Ela segue tentando, passo a passo, neblina a dentro.


Diante da neblina ela para 
Enquanto eu tento fazê-la andar 
Por vezes ela se prepara 
Rua acima ela vai tentar 
Ela chora, se lamenta  
Sofrendo, a gente enfrenta
Só quando a vejo sorrindo
Ainda vencendo um domingo
O sol brilha e tudo se vê no calor
    é mais um dia superado
        todos juntos, lado a lado
            ela conseguiu, com todo o amor. 

terça-feira, 17 de maio de 2016

Peso

O peso
Do braço
Tendão esmagado
O peso
Do rosto
Vermelho molhado
O peso
Da mochila
De sonhos lotada
O peso
Do braço
Vacina no lado
O peso
Da vida
Dos tombos do nada
O peso
Do mundo
De tudo errado
O peso
Dos anos
Da obra embargada
O peso
Das latas
Tinta derramada
O peso
Do choro
Dos olhos inchados
O peso
Do abraço
Não serve de nada
O peso
Sem rumo
Num país desnorteado
O peso
Do riff
Guitarras dobradas
O peso
Das peças
Função arranjada
O peso
Das pernas
Mais e mais passos dados
O peso
Do soco
Caiu desacordado
O peso
Dos dedos
No frio do teclado
O peso
Pesado
Do peso pesado.

terça-feira, 26 de abril de 2016

5 minutos

Numa correria de guarda livro, fecha mochila, pega guarda-chuva, olha um lado e olha outro, saltei do trem. Logo após mais uma ou duas olhadas ao redor, soltei o cabelo, botei o boné, fechei o casaco, fechei a cara, fechei as mãos - dentro dos bolsos - e num passo apressado e bem marcado, me fui.
Das profundezas da estação emergi, e então, me pus a caminhar um pouco mais depressa, já que uma delas tocou minha abarrotada mochila, talvez sem querer, pois todos tem pressa a essa hora, mas talvez não, talvez por gosto, na tentativa de uma intimidação, ou, por que não, de um puxão, não sei não, nem nunca vou saber, porque depois de brotar da terra eu ganhei o breu a passadas largas.
Toda noite é igual, elas estão por toda parte, parece que todas me olham, quando na verdade talvez nem percebam que eu existo, de novo, não sei, nem nunca vou saber, porque não dou chance ao azar, a caminhada é longa e curta, os passos são apressados. A adrenalina sempre sobe, sempre é uma fuga e mesmo que não seja, faço ser, é um filme de aventura policial, ou as últimas páginas de um Dan Brown, é correria. Como eu já disse, elas estão por toda parte.
Hoje o frio quase doeu, fez 11 graus, mas foi bom, gosto do frio. Hoje rengueou cusco, amanhã, dizem que vai cortar o rosto no golpe do vento seco da nossa capital, o desgraçado vem do rio que não é rio, vem com pressa, como eu, mas ainda assim, eu gosto dele.
Meio do caminho e eu sigo rapidamente, um passo atrás do outro, uma olho lá e outro cá, pros dois lados, umas duas ou quinze olhadas pra trás, nunca se sabe, pois elas, as sombras, estão por toda parte e estão ali só esperando o momento certo de atacar, podem ter faca ou outra arma, podem furar, ou trocar uma vida por uma mochila, um celular e um boné, eu tenho medo; muito embora saiba que elas preferem atacar os distraídos - eu mesmo já fui um deles, atacado por duas delas, ali mesmo, naquele mesmo trajeto, em frente àquele caldeirão alaranjado.
O frio trouxe hoje também o deserto e o silêncio, que combinados àquele cenário tão feio, escuro e fedido, formaram um todo nada agradável, a não ser a elas, que estavam nos cantos, no vão da esquina do sinal fechado, ou também não, pois era bem frio e eu realmente não sei o quão reais elas eram e têm sido, até porque eu andei bem rápido - o que não me impediu de ouvir o único som agitado e quente da noite, o que vinha de dentro do panelão laranja, aposto que estava cheio delas lá, dançando ou brigando, cercadas de tóxicos e bebidas vagabundas. Lugar tenebroso, agora sempre passo semi-correndo pela frente.
Enfim, após trocar de lado da calçada, consegui, cheguei são e salvo no último transporte da noite, meu norte diário e nele adentrei, num banco sentei. Respiro tranquilo, vitória parcial. Amanhã, tem mais.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

6h58 vibra

O despertar, de pronto,
No susto, meio tonto,
Eu pulo, olhos semicerrados
Por de trás dos óculos, embaçados.
Espero sentado, de lado,
Eles passam, como o gado,
Um atrás do outro, e outro
Atrás do outro que passa por mais outro
Enfim, eu vou, agora sete e dois
Passos largos, pra sobrar tempo depois.

Na esquina, sete e cinco eu espero.
Lá vem ela, como sempre, é tudo o que quero.

Sorrindo, leve, como o ar.
O ar meu, já perco, só de olhar.
O branco da pele contrasta e enfeita
Com aquela combinação perfeita
O cabelo longo, o vestido de flores
O sapato delicado, a bolsa, todas as cores.
A espera vale, o abraço aperta, o perfume é demais
Sete e nove, temos de ir, é perto do cais.
O toque da mão é macio, eu rio, mas o tempo é contado
Triste vem o tchau, a despedida dos seis minutos passados.

Sete e dez eu aceno, faço o te amo em sinais.
Sete e onze ela se vai, linda, é inevitável... Amanhã tem mais.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Raio de sol



Tu é meu raio de sol.
Ilumina meus passos,
Nas caminhadas pelo Centro, na minha vida,
Rumo àquela galeria, ou ao tão aguardado futuro.
Aquece.
Nos trinta e quatro graus do termômetro, nas ruas infernais.
Aquece meus pensamentos e vontades, aquece meu coração.
Ilumina meu calor,
Aquece minha luz.
Tu é meu raio de sol.