terça-feira, 20 de setembro de 2016

No bolicho (ou o choro de um farrapo já cansado)

Mais uma noite
não sei, talvez por sorte
como o cusco dos grito
escapo da morte.
O dia todo peleando
Matando e morrendo
Correndo e gritando
Sem poder sentir medo.

Mas aqui nesse banco
onde, é verdade,
cheguei aos trancos,
acho serenidade
num trago de canha
como pinto no lixo
pequena alegria, tacanha
me acho nesse bolicho

Hoje vi companheiros
Partindo de vez dessa,
indo, aos berreiros,
o sangue na cabeça
escorrendo nos beiço
encharcando o lenço
Os vivente deixando
de dar sentido à palavra
Deixando de viver
Deixando de ser vivente.
Não deixamos por menos,
eu e mais outros
viventes dos meus
muita lança cravamos
em peito de imperial
muito cavaleiro treinado
deixamos deitado
nessa peleia brutal.

Lá fora eu já matei
muita gente
não por mal (e nem por bem)
mas preciso pelear
pelo que meu povo defende
a qualquer custo
ainda que de susto
eu acorde na madrugada
com a garganta embargada
os olhos molhados
e a mão já puxando
a adaga debaixo do pelego.

Aqui dentro eu mato
as amarguras da guerra,
limpo o sangue e a terra
que tenho nas vista
talvez ainda assista
a fugidela pro mato
dos amigos mais curtidos
com as chinas mais lindas
e no canto de lá
o gaiteiro se esforça
pra manter o momento
em dimensão paralela
somente ele e ela,
sua gaita faceira
arriscando a vaneira
enquanto entro no copo
por inteiro
abraçado na garrafa
ouvindo o tiroteio
insistente no ouvido
ecoando o dia alheio
a mais essa noite
embriagada, jocosa
fria e mentirosa
de um bolicho cheio
de farrapos sem amanhã.

Agora dá três horas
e depois de um baita
de um bochincho bem feio
em que quebrou-se a gaita
e correu o chinedo
e o gaiteiro puxou
de uma faca graúda
enferrujada e velha
e os que não eram
tão tauras assim
se assustaram e fugiram
e eu, desatei a chorar
sou feito de coragem
diga-se de passagem
mas se nem no bolicho
não posso fugir
de ver o sangue escorrer
e quem sabe até
da bala comer,
eu desisto.
Me vou embora
que logo é outro dia normal
e a guerra que segue,
ela me espera, pontual.