quinta-feira, 27 de julho de 2017

Poema aberto a um poeta fechado

Queria um dia 
saber o que há 
por detrás da cortina 
espessa neblina 
que protege 
teus pensamentos 
e sentimentos 
é um tormento, eu sei 
confesso, esses dias parei 
pra pensar 
te analisar 
e não consegui quebrar 
a maldita parede 
de madeira 
que tal qual peneira 
te defende.  

Quisera eu entender 
o que tem nessa cabeça 
leria, sem pressa 
cada página cheia 
do relatório 
(in)sanatório 
sanitário 
das tuas amarguras 
e todas as gravuras 
atentamente 
eu observaria. 
Pudera eu 
até quem sabe ajudar 
Ou quem sabe não. 

Desprezível pretérito 
mais que perfeito 
não vai me auxiliar 
a localizar o sujeito 
da oração 
dessa tua existência 
e eu confesso também 
talvez me falte paciência 
mas porra 
queria saber 
se ainda sofre 
se cai e se chora 
se levanta, vai embora 
ou, se agora 
só lembra por gosto 
de todos os desgostos 
para então mergulhar 
nas profundas memórias 
revirar as histórias 
e delas sorver 
altos versos 
com auto-reverse 
e assumir o risco 
da queda 
do cisco 
nesses distantes olhos 
castanho-petróleo 
sem risos verdadeiros 
entre nós, um estrangeiro 
de poucas palavras 
ditas 
e outras tantas 
escritas 
misteriosas 
dolorosas 
prazerosas 
sinceramente não faço ideia 
da dimensão do teu eu
não há qualquer plateia 
mas te vejo nesse breu
de longe acompanho 
vez em quando um banho 
do teu discurso eu tomo 
e ainda assim 
em verdade 
de ti, poeta 
quase nada sei.

Sinfonnia

No teu corpo 
deslizo 
te bebo e te como 
te preciso 
é o meu copo 
cheio e molhado 
de cerveja gelada 
no calor da noitada 
que nada 
de gelo, só a bebida 
é o fogo da minha vida 
noite enluarada 
trufa recheada 
chocolate com pimenta 
toda a doçura picante 
tua respiração ofegante 
e cada palavra 
é tudo música 
pesada e melódia 
lá dentro 
dos meus ouvidos 
e cada movimento 
não ensaiado 
da dança iluminada 
pelo facho cego de luz 
da nossa persianna 
me fascina e seduz 
na delicada gota 
de suor descendo 
pelas tuas costas 
que eu aperto nas mãos 
tu dizendo que gosta... 
É a nossa sinfonnia
é sintonia, é garantia 
de riso na boca de quem 
acorda com gosto de ontem 
preguiçosamente agitada  
ansiosa por saber, 
qual o horário, a data 
do próximo espetáculo sinfônico.

Quisera eu

Papel e caneta 
um cometa 
passou e marcou 
o vazio 
da folha cortada 
um rio 
de águas caladas 
quisera eu 
ser poeta 
de verdade 
sem vaidade 
derramar palavras 
no branco 
pintar amarras 
só para depois soltá-las 
e então 
quaisquer versos 
despretenciosos 
dispersos 
fariam todo sentido 
e toda rima 
como um ímã 
no metal grudaria 
e qualquer gritaria 
cantaria uma nova canção 
milagrosa 
uma poção 
que arrancaria 
risos e choros 
anti-decoro 
assim, 
como quem não quer nada 
como quem não é nada 
e tudo é 
ao mesmo tempo 
num só tento 
num amontoado de letras 
desorganizadamente organizadas 
como todos os planetas 
na via-láctea 
viagem estática 
emblemática 
e sempre existiria 
um caminho 
e todo leitor seria 
um filhote no ninho 
protegido 
bem querido 
se preparando para voar 
ah, um dia 
se tudo der certo 
eu chego lá.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Quebra-cabeça

Nosso novo quebra-cabeça
de infinitas peças 
compramos juntos 
aventura conjunta
em suaves prestações 
com juros e correções 
mas 
compramos 
acreditando na imagem 
bonita paisagem 
que um dia 
ele há de formar.
Tento daqui 
tu tenta daí 
encaixa assim 
desencaixa assado 
desisto por hoje 
e na caixa já guardo  
teimosia pura 
cabeças duras 
boas intenções 
sintonia nos corações 
uma grade quebrada 
no fogão espelhado 
e na porta suada 
um furo mal pensado 
decepção ao perceber 
a falta do saber 
como lidar
com coisas simples 
bagagem vazia 
de conhecimentos  
mais vazia que a minha 
caixa de ferramentas.
Euforia nas emoções 
turbilhão de sensações 
tu tenta de lá 
e de cá sou eu que tento 
a sensibilidade que me falta 
e a má administração de tempo 
por vezes irrita 
transborda 
o martelinho 
outrora cheio 
de tequila 
confesso 
e peço 
paciência no hoje 
fé no amanhã 
coragem no amor 
um balde de cor 
nova e escura
naquela parede crua-pura 
vem e me diz 
o que vai fazer com o giz? 
E na outra, no costado, 
dois ou três quadros 
ou oito ou dez 
um mês e pouco passado 
e o que a gente fez? 
Quando compramos 
esse nosso novo jogo 
o quebra-cabeça 
de infinitas peças 
sinceramente não pensei 
que seria assim difícil 
nesse tumultuado início 
agora percebo 
que na verdade 
não veio com manual de instruções 
ou aviso de oscilações 
na dificuldade da montagem 
ou da chuva 
até a vaga de garagem 
sem carro 
sem barro 
no calçamento simétrico 
com espaços de grama 
na fita métrica  
pro meu novo pijama 
azul 
marinho 
cheio de carinho 
me arrancou sorrisos 
tal qual aquele bicho 
de guampa na testa 
causou grande festa 
na sacola escondido 
em meio aos chocolates 
famosos leitinhos 
calorosos abraços 
nessa noite que marcou
até agora 
algumas cores pintadas 
nesses dias complicados 
em meio à árdua empreitada 
que tem nos tirado 
preciosos minutos 
de cabeça tranquila 
o que é imprescindível 
para a construção
da imagem incrível 
que vamos montar 
peça por peça 
pé por pé 
mão com mão 
na trajetória comprida 
do jogo da nossa vida.