quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Recreio

Soou a sirene.
Ali sentado, atento, eu observava tudo. Tudo como sempre foi, quase nada muda, na essência. Só os anos.
Três ou quatro meninas passando pra lá e pra cá, se entreolhando, olhando para os meninos, cochichando, rindo, cobrindo a boca com a mão, fazendo pose.
Três ou quatro meninos escorados no muro, também fazendo pose, porém, de rebeldes, donos de si. "Não vou entrar quando tocar o sinal, vou ficar aqui." "Todo mundo tem que entrar!" "Não sou todo mundo e vou ficar aqui." "Duvido." "Então vamos ver."
Aqueles sozinhos, parecendo não ter amigos, passando devagar.
A menina que puxou assunto com aquele mais velho, cheia de esperanças, enquanto ele só respondia educadamente, como quem conversa com uma criança.
Os que passavam me olhando curiosos, intrigados com aquele cara ali, sentado.
As meninas maquiadas como mulheres.
Os bandos de meninos vestidos da mesma maneira, as bermudas, os bonés, os óculos escuros enormes. Mesmo caminhar, mesmos trejeitos. Pareciam um bando de algum animal silvestre andando pelo campo, buscando impressionar quem olhasse.
A malandragem.
Risadas mil.
Mil vozes.
Mil burburinhos.
Correrias mil.
Inocência, maldade, amizade, romance, preocupação com a nota, preocupação com a aparência.
O futebol na quadra de concreto (agora não mais com pinha).
Também acontecia tudo aquilo que sei que acontece, nos cantos mais retirados, os cigarros escondidos, entre outras drogas, as combinações para mais tarde, tudo aquilo que não vi, mas que sei que acontecia, porque sempre foi assim.
Os menores brincando pelo pátio.
Será que tem tazo hoje em dia? Não sei. Tomara que tenha, eles perderiam muito sem tazo.
Oh, soou a sirene mais uma vez.
O pátio, aos poucos, foi se esvaziando.
Até o menino que disse que não entraria para a sala, entrou. As mesmas conversas da boca pra fora de sempre!
Umas últimas meninas passaram olhando e cochichando.
Uns últimos meninos de boné e quase uniformizados também passaram devagar, com aquele mesmo caminhar.
E eu ali, sentado, num misto de sentir-se jovem outra vez e sentir-se muito velho. Com um riso no rosto, olhar no pátio vazio e todo aquele zumzumzum desaparecendo aos poucos, no ouvido.
Do alto dos meus vinte e seis, me vi ali naquele recreio, voltei no tempo.
Em seguida percebi que na verdade, isso faz muito tempo, e que o tempo, voa.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Bochincho

De vez em quando, um fantasma ou outro, ele reaparece, desgraçado, um osso quebrado, um projeto aqui e outro ali, tantas coisas, certezas e incertezas, tragédias no jornal, tragédia no vizinho, cansaço físico, cansaço psicológico, cansaço emocional, uma cara amarrada aqui, outra lá adiante, essa tala que incomoda, um sorriso de bebê na foto há pouco vista, a dor naquele que tanto amo, o meio-ócio, o canto dos pássaros, os olhos marejados daquela que segura as pontas, o cansaço daquele outro tranquilo e amável, o céu meio cinza e meio azul, o calor, as tantas palavras jogadas na lata do lixo e não antes de mancharem e machucarem bastante coisa, a maldita tecnologia que as faz possíveis, o atestado, a quase raiva, a quase vontade de jogar tudo de lado, a incerteza de novo, o desrespeito, o acabrunhamento, a pressão enorme, a falta de tempo, mesmo quando ele parece estar aí, dando sopa, a(s) crise(s), os mil testes no amor, o guarda-chuva na mochila, as provas, as igrejas, a sacola na mão, a falta da falta...

"...passar um cafezinho pro meu filhinho..."

... a voz da mãe rompendo o silêncio, e acalmando o coração.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

De volta

Voltei há pouco, após ter estado longe por um bom tempo. Para falar a verdade, pouco mais de dois anos e meio é o tempo em que estive afastado. Agora venho de canto, ainda/sempre com cantos na cabeça, mas venho com outra proposta, outro intuito, do que aqueles de outrora. Chego sem pressa e sem compromisso, periodicamente sem período pré-estabelecido, chego conforme as ideias chegam, chego como o vento na janela, ou como a água escorrendo na parede, sem aviso, sem alarde, ou ainda, pelas beiradas, para não me queimar. Venho tendo como único objetivo o dizer escrito, o gritar silencioso. Não é semanal, nem quinzenal e nem mensal... Apenas é. Eu voltei, mas nem sei se aqui é o meu lugar, e também nem sei se estando nisso, é pra sempre; as referências seguem e se fazem o tempo todo, por assim serem, e por assim eu ser. Talvez o que tenha me trazido de volta seja o charme do flerte com as palavras, ou por ter aqui uma válvula de escape, ou apenas por vaidade, ou vontade, assim, por gosto, enfim, voltei. E gosto de saber disso, sem divulgação qualquer, cá estou, de volta.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Justo!

Ontem deixei de pagar o consumo do quarto
(esqueceram de cobrar, não tenho culpa),
Hoje, fui atendido sem demora
(estava na fila das gestantes, naturalmente),
Comi umas bolachas no corredor de trás.
Agora vou dar uma furada nessa fila aqui.
Depois pedir um desconto pra funcionário ali...
Olha só, me deram troco a mais, que coisa boa!
Então vou pegar o carro, está perto da porta
(deixei na vaga de cadeirante, ninguém viu, mesmo).
E depois ir rápido, pelo acostamento
(é óbvio, tem engarrafamento).

Tenho pressa para chegar em casa.
Amanhã acordo cedo, tenho compromisso.
Vou passar o dia reclamando dos governantes, que são corruptos (e não são?).
Tem protesto, vou fazer a minha parte, acho justo!




quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Quatro


Quatro.
Estou vendo quatros até em uma foto que foi tirada sem querer, cheia de graça, como o todo que a envolveu; o quatro está aí, chegou de mansinho, veio vindo, e chegou.
Nós já precisamos, algumas vezes, apontar para a fé e remar, também já zangamos em cismas, com birras e pirraças, normal. Mas também é verdade que em determinados momentos tu chegou e me disse "sem você, sou pá furada", ao passo que eu te olhei e disse "eu não, prefiro assim, com você, juntinho". Enfim, parece que o amor chegou, mas chegou lá atrás, há quatro anos. Fez morada. Fincou pé. Cresceu, apareceu, se reinventou, acompanhou as estações, os anos, os humores e valores, fez graça; se achou, afinal, aqui ele tem todas as condições necessárias para se manter em vida.
Hoje, vinte e quatro de setembro de dois mil e quinze, completamos quatro anos de nós dois, desse todo tão bonito que construímos e que na verdade é só o alicerce de toda a construção, que nunca vai estar com 100% de obra concluída, pois nós nos mostramos, dia após dia, que sempre podemos dar mais um retoque. Talvez ainda estejamos recém no primeiro andar!
Meu bem: pra nós, todo amor do mundo!
Tu e eu somos como dois barcos, lado a lado, indo na mesma direção, com um lindo sol no horizonte, distante, que nos faz querer sempre ir em frente.
Na foto desse post, tu só queria ajeitar a câmera, só queria deixar no enquadramento adequado. Sem querer, saiu isso. Foto perdida? Talvez para pessoas quaisquer. Para nós, é uma foto engraçada, se é engraçada, nos faz rir, se rimos, somos nós, se somos nós, somos felizes, se somos felizes... Olha, se somos felizes, nada mais importa. Se eu te tenho ao meu lado, não me importam poucas horas de sono ou o que seja, pois eu estou completo.
Obrigado ao mundo, por nos botar um no caminho do outro.
Sabe... Bendito acaso!


Ao meu amor, Anna Paula Arruda. 
Com respeitosas menções às músicas do álbum "Quatro", do Los Hermanos.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Fadiga

Cansado das paradas de ônibus
Cansado das paradas da polícia
Cansado de sair com medo
Cansado do monitor e dos boletos
Cansado do silêncio e do barulho
Cansado das fofocas e especulações
Cansado das macros e dos ajustes
Cansado das liberações e confusões
Cansado de correr e não chegar
Cansado de esperar
     que sejam corretos, que façam como eu faria
     que valorizem, que se importem
     que a garrafa venha, que o copo encha, que a visão se embaralhe
     que os dias e semanas e meses e anos passem logo
Cansado das olheiras constantes
Cansado das poucas horas de sono
Cansado da falta de tempo
Cansado do desânimo
Cansado da fadiga que a fadiga traz.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Pele (sem pudor)

Te quero sem rusga, sem blusa
Quero sem hora; pudesse, agora
Te quero bem quente,
Como a gente é que sente
Te quero sem tempo pra parar,
Quero em tempo de parar e ficar.
No teu calor, sem me recompor
Sem dor, e muito mais, sem pudor.
Te quero sem ir pra casa depois
Quero lá, à meia luz, só nós dois

Te quero sem rima, sem estrutura, sem métrica.

Te quero sem nada, sem compromisso, sem ter porquê, sem regra e sem roupa, sem explicação.
Te quero sem dar satisfação, sem evento, sem espera, sem demora, sem carranca e sem choro.
Te quero com tudo.
Te quero sem nada.
Sem nada, mas só com a pele.
É na pele que tudo muda, na pele que mandamos no mundo, que até a respiração faz música, é a pele que nos leva àquele lugar, a pele sente o cheiro e o gosto, a pele arrepia, a pele é que lava a alma, a pele é que salva.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Vem cá (Quando tu chegou)

Vem cá
Vem escutar a carta que eu escrevi pra ti
Na máquina de escrever sem papel
Sem papel, mas de verdade
De verdade, com amor

Vem cá
Senta ao meu lado aqui na grama
Vem e faz meu coração bater
Bater acelerado
Mas sem pressa de chegar

Pois quando tu chegou
Trouxe tantas cores
E até flores eu passei a notar
Nas mesmas ruas
Por onde eu sempre passei
Em preto e branco

Vem cá
Vem ser o que eu idealizei
Em uma menina, uma mulher
Vem sorrindo
Me fazer sorrir

Vem aqui
Vem, eu não te peço nada demais
Te peço apenas que jamais me deixe
Não deixe a minha vida
Tão sem graça

Pois quando tu chegou
Trouxe tantas cores
E até flores eu passei a notar
Nas mesmas ruas
Por onde eu sempre passei
Em preto e branco, em preto e branco.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Um sábado com o Padre Cacique

Não posso calcular, por alto, nem com calma,
Quantos anos somavam-se, incontáveis, naquele iluminado almoço.
Iluminado pelas janelas abertas: a luz entrava.
Entrava e passeava, alegremente, por entre as mesas.
Refletia nas rugas, nos fios brancos, que eram tantos,
Expandia-se, clareava tudo, até o meu canto.

O branco se multiplicava.
Nos fios de cabelo, nos dentes,
Nos pratos, copos e guardanapos.
Ah, quanto branco, quanto bem!

Me preparei tanto, mas foi pouco.
Fiz tão pouco, mas foi muito.

Levei a eles algumas notas.
Não muitas, mas selecionadas a dedo.
A dedo e a coração, ou talvez, por que não
Selecionadas pelo dedo do coração.
Me choraram, me riram, me aplaudiram
Me resmungaram, me viram, me ouviram.

O som das notas ecoava com o canto pelos cantos,
O som dos pratos, copos e talheres, completava o encanto.
Empolgados, contaram histórias, falaram de Lutero e da Alemanha.
Encantado, ouvi tudo, ri junto, dei minha atenção, ganhei o dia.

As vozes falavam, falavam, cantavam e cantavam, mas pouco,
Perto dos olhares, risos e lágrimas, que falavam muito.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Taciturno, divagando.

Taciturno sigo, não sei
Não sei se sei, o porquê
Se apenas por não saber,
Ou por saber e, aí sim, discordar(ei).

Adjetivo de pouco uso, confuso
Também nesse estado pouco ando, mas ando.

Acho até que sei, sim
E até concordo, mas discordo
Em partes, como (quase) tudo
Tudo que parece e não é, mas parece e é, sei que é (às vezes).

Divaguei, divagando, nas palavras flutuantes
Cheguei, chegando, a lugar algum, mas só aqui, ou adiante (?).