terça-feira, 26 de abril de 2016

5 minutos

Numa correria de guarda livro, fecha mochila, pega guarda-chuva, olha um lado e olha outro, saltei do trem. Logo após mais uma ou duas olhadas ao redor, soltei o cabelo, botei o boné, fechei o casaco, fechei a cara, fechei as mãos - dentro dos bolsos - e num passo apressado e bem marcado, me fui.
Das profundezas da estação emergi, e então, me pus a caminhar um pouco mais depressa, já que uma delas tocou minha abarrotada mochila, talvez sem querer, pois todos tem pressa a essa hora, mas talvez não, talvez por gosto, na tentativa de uma intimidação, ou, por que não, de um puxão, não sei não, nem nunca vou saber, porque depois de brotar da terra eu ganhei o breu a passadas largas.
Toda noite é igual, elas estão por toda parte, parece que todas me olham, quando na verdade talvez nem percebam que eu existo, de novo, não sei, nem nunca vou saber, porque não dou chance ao azar, a caminhada é longa e curta, os passos são apressados. A adrenalina sempre sobe, sempre é uma fuga e mesmo que não seja, faço ser, é um filme de aventura policial, ou as últimas páginas de um Dan Brown, é correria. Como eu já disse, elas estão por toda parte.
Hoje o frio quase doeu, fez 11 graus, mas foi bom, gosto do frio. Hoje rengueou cusco, amanhã, dizem que vai cortar o rosto no golpe do vento seco da nossa capital, o desgraçado vem do rio que não é rio, vem com pressa, como eu, mas ainda assim, eu gosto dele.
Meio do caminho e eu sigo rapidamente, um passo atrás do outro, uma olho lá e outro cá, pros dois lados, umas duas ou quinze olhadas pra trás, nunca se sabe, pois elas, as sombras, estão por toda parte e estão ali só esperando o momento certo de atacar, podem ter faca ou outra arma, podem furar, ou trocar uma vida por uma mochila, um celular e um boné, eu tenho medo; muito embora saiba que elas preferem atacar os distraídos - eu mesmo já fui um deles, atacado por duas delas, ali mesmo, naquele mesmo trajeto, em frente àquele caldeirão alaranjado.
O frio trouxe hoje também o deserto e o silêncio, que combinados àquele cenário tão feio, escuro e fedido, formaram um todo nada agradável, a não ser a elas, que estavam nos cantos, no vão da esquina do sinal fechado, ou também não, pois era bem frio e eu realmente não sei o quão reais elas eram e têm sido, até porque eu andei bem rápido - o que não me impediu de ouvir o único som agitado e quente da noite, o que vinha de dentro do panelão laranja, aposto que estava cheio delas lá, dançando ou brigando, cercadas de tóxicos e bebidas vagabundas. Lugar tenebroso, agora sempre passo semi-correndo pela frente.
Enfim, após trocar de lado da calçada, consegui, cheguei são e salvo no último transporte da noite, meu norte diário e nele adentrei, num banco sentei. Respiro tranquilo, vitória parcial. Amanhã, tem mais.